Decisão do Ibama retoma disputa entre energia e vida tradicional no Xingu

27/02/2025 10h38 - Atualizado há 2 semanas
Decisão do Ibama retoma disputa entre energia e vida tradicional no Xingu
Reprodução

Beiradeiros e indígenas moradores da Volta Grande do Xingu foram surpreendidos por algo que há anos não viam acontecer nesta época do ano: a elevação rápida do nível do rio no trecho de cerca de 130 quilômetros entre a cidade de Altamira e a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

As águas já estavam subindo quando a Norte Energia, concessionária que opera a hidrelétrica, enviou uma sequência de mensagens avisando aos moradores que a vazão (volume de água que corre por um determinado trecho) aumentaria de cerca de 1.800 metros cúbicos por segundo (m3/s) para mais de 5.000 m³/s já no dia seguinte.

Foi o suficiente para, pela primeira vez em meses, a água entrar em uma das ilhas da Volta Grande do Xingu, formando um pequeno riacho no chão da mata. Era o sinal que os peixes esperavam: a chance de depositar suas ovas na água em um local seguro.

No dia seguinte, porém, a vazão diminuiu e o pouco de água que havia entrado na ilha retrocedeu. Foi quando Jainy Kuruya de Almeida, de 42 anos, encontrou uma cena horrível: as milhares de ovas recém-depositadas tinham ido parar todas no seco. Uma sentença de morte, já que elas precisam estar na água para sobreviver.

O episódio de morte em massa na Volta Grande está no centro do mais recente capítulo de um longo histórico de disputas entre a Norte Energia e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento ambiental do empreendimento, sobre a quantidade de água para a Volta Grande do Xingu.

No último dia 14, o órgão federal determinou que a empresa mantivesse aquela vazão maior de água na região até o final do período de defeso (paralisação temporária da pesca para preservar as espécies), sem reduções que pudessem provocar uma queda abrupta no nível do rio, levando a novas perdas de ovas, como a flagrada por Jainy.

A questão é que o aumento da vazão só ocorrera a partir de um fato extraordinário: uma tempestade havia derrubado cinco torres de uma das linhas de transmissão ligada à usina, provocando o desligamento de algumas unidades geradoras. Sem a possibilidade de gerar mais energia, a Norte Energia se viu obrigada a liberar mais água do que o previsto em seu planejamento para a Volta Grande.
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Três dias depois da decisão do Ibama, a Norte Energia entrou na Justiça contra a determinação, argumentando que o problema na linha de transmissão já havia sido solucionado e que, portanto, já estava apta para reduzir a vazão e voltar a gerar mais energia. Segundo a empresa, seguir a determinação do Ibama implicaria perdas para a geração elétrica e danos de cerca de R$ 16 milhões por mês para a Norte Energia. No último dia 19, a Justiça acatou os argumentos e autorizou a redução da vazão.

À reportagem, o Ibama afirmou que nesta segunda-feira (24) houve uma reunião entre o órgão, a Agência Nacional de Águas (ANA) e a União para “para discutir a ação proposta pela Norte Energia e a liminar concedida pelo juiz da causa”. Ainda de acordo com o órgão, o Ibama apresentará ao juiz esclarecimentos técnicos sobre a questão.

Água em disputa

A quantidade de água na Volta Grande do Xingu é um dos pontos mais sensíveis do processo de renovação da licença de operação da usina, vencida desde 2021 e atualmente sob análise do Ibama.

A explicação é simples: quanto mais água é liberada para a região, menos água fica disponível para correr pelas turbinas e gerar energia. Mas a licença de operação da usina determinou que o controle da vazão fosse feito de forma a atenuar os impactos para a fauna e para o modo de vida das populações da Volta Grande.

“A água hoje está sendo roubada. Estão roubando a água da reprodução dos peixes”, resume a beiradeira e pescadora Sara Rodrigues Lima, de 41 anos, sobre a situação da região em que nasceu e sempre viveu.

O “roubo”, como denunciado por Sara, acontece pela operação da usina, que, ao barrar o fluxo do rio, retirou em média entre 70% e 80% das águas que antes alimentavam o Xingu no trecho da Volta Grande.

Isso porque a usina opera no modelo chamado “fio d’água”. Outras hidrelétricas do mesmo porte no Brasil, como Itaipu e Tucuruí, possuem imensos reservatórios para regular a quantidade de água que passa pelas turbinas. Já Belo Monte depende do fluxo natural do rio.

Para essa engenharia funcionar, foram necessárias duas barragens. A primeira, do Pimental, tem uma casa de força pequena, com apenas seis turbinas. Sua principal função é barrar o fluxo do rio – em um ponto a cerca de 40 km da cidade de Altamira, logo antes do início da Volta Grande – para encher o reservatório do Xingu, formado pelo próprio leito do rio.

A água desse reservatório é desviada por meio de um canal para um segundo reservatório, menor, que alimenta a segunda barragem, a de Belo Monte, onde está a casa de força principal, com 18 turbinas com 11.000 MW (megawatts) de potência instalada – para comparação, Itaipu, a maior usina do país, tem capacidade de 14.000 MW.


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